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Conto - Cachorro inteligente não precisa de dono, por João Francisco Santos da Silva

Foto do escritor: Alex FragaAlex Fraga

Sábado no Blog do Alex Fraga é dia de conto com o médico clínico geral, acupunturista e escritor de Campo Grande (MS), João Francisco Santos da Silva, com "Cachorro inteligente não precisa de dono"


CACHORRO INTELIGENTE NÃO PRECISA DE DONO


Conversa entre colegas de trabalho:

— Os cachorros são muito inteligentes. Alguns parecem ser mais espertos que os próprios donos.

— Por isso que eu não tenho cachorro. Não dá para mandar em quem é mais esperto que a gente. Aí fica escancarado que há uma dominação baseada apenas no poder do mais forte e que nem sempre é o mais inteligente.

— Afinal, por que começamos essa conversa? Virou um “papo cabeça”.

— Quem começou a conversa foi você que disse que seu cachorro estava nervoso e lhe havia rosnado. Então, a colega aqui (apontou para a vizinha de mesa de trabalho) falou que quando o cachorro dela fazia isso, ela lhe dava um tapa na cara e ele parava de contestá-la. Segundo ela, o cão era muito inteligente, pois levava um tapa na cara e entendia que havia feito algo errado. Parece que o pai dela fazia isso com os cachorros do canil e quase sempre dava certo.

— Mas isso não é inteligência. Isso é condicionamento pelo medo. E você, cuidado com a sociedade protetora dos animais! Falou olhando para a colega da mesa de trabalho vizinha.

— Seu pai era veterinário? Perguntou o colega para a vizinha de mesa.

— Não. Meu pai era funcionário público. Mas trabalhou por algum tempo em um canil.

— Canil municipal?

— Não! Naquela época era tudo uma coisa só. Federal!

— E onde ficava o canil?

— Acho que aqui na cidade mesmo. O endereço não sei. Faz tanto tempo, ninguém lembra mais. Foi lá pelo final dos anos 60, início dos 70. Havia vários “canis descaracterizados”.

Depois das últimas palavras ditas pela colega de trabalho, o homem franziu a testa não conseguindo esconder a cara de desaprovação. Ele até podia imaginar “diálogo semelhante” ocorrendo cinquenta anos atrás no “canil descaracterizado” em que o pai da moça trabalhava:

— Dá para mantê-los comportados. São espertos o suficiente para saber quem manda e quem obedece.

— Além disso, ninguém quer ficar levando choque e tapa na cara!

— E como está o canil hoje? Retrucou o colega de uniforme verde.

— Quase vazio. Apenas dois hóspedes. Os cachorros andam calmos. Não tem sido necessário trazê-los para cá ultimamente.

— Se fossem tão inteligentes, seriam eles que estariam aqui no nosso lugar. Acho que nós estamos lhes condicionando. Daqui algum tempo, nem mais precisaremos de canil.

— O que quer dizer condicionando? Perguntou o colega subalterno.

Ficou sem resposta.


Nota do autor: eu tenho um amigo poeta que uma vez me disse, a título de conselho, que um bom texto literário mais deve insinuar ou sugerir que descrever explicitamente o pensamento do autor. Concordo plenamente com ele, mas não me contive e deixei ,para depois do final do texto, dois conceitos retirados do Dicionário Michaelis em sua versão digital :


Ditadura:

Sistema de governo que, de forma geral, não respeita as liberdades individuais. https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=ditadura


Tortura:

Sofrimento físico ou moral imposto a alguém, geralmente para obter alguma revelação; suplício, tormento: “A expressão adotada, ‘limpeza do terreno’, já estava em processo, com a truculência do governo Médici, que praticamente oficializou a tortura […]” (CA). https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=Tortura

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