Ele é uma das referências para muitos bateristas do Mato Grosso do Sul: Fernando Bola, um músico que já esteve tocando com a maioria dos considerados grandes do Estado. Ela comenta em entrevista ao Blog do Alex Fraga, sua trajetória desde o início em Dourados (MS) até residir definitivamente em Campo Grande. As dificuldades de viver de música e principalmente sobre a grande problemática sobre o gerenciamento dos órgãos culturais no Estado e nos municípios.
Blog do Alex Fraga - Conte um pouco de sua trajetória na música do MS como tudo começou e principalmente da fundação da banda Olho de Gato em Dourados.
Fernando Bola - Eu era um garoto que amava os Beatles os Rolling Stones e o Roberto e Erasmo. E aos 17 anos comprei minha primeira batera, uma pinguim. Nessa época, 1977, era proibitivo o preço de instrumentos importados no Brasil. Me tornei um músico, autodidata, pois também não havia escola e nem faculdade de música no então Mato Grosso. Em Dourados, onde eu residia, não tinha jovens músicos como eu afins de montar banda. Durante minha trajetória nos anos 89, eu toquei com quase todo mundo aqui em Campo Grande. A banda Olho de Gato começou quando o guitarrista Nau Maurício, que descansa em paz, se casou com uma amiga e mudou-se para Dourados. Nau era guitarrista e tocava com Chico Evangelista no começo dos anos 80, em São Paulo. Em Dourados nesses tempos, só tinha o grupo de baile do meu grande amigo e querido Tim Sgaravatti. Ele foi fundamental para o começo da banda, pois nos emprestava os instrumentos e equipamentos pra ensaios No começo era eu e o Nau. Só bateria e guitarra. Nossas músicas, desde sempre, eram autorais. Foi então que conhecemos o Lúcio Val, contrabaixista, que também estava morando em Dourados, e o convidamos para tocar ele topou. E assim nasceu a banda Olho de Gato. O ano era 1985, quando formamos um power trio nervoso. Ao longo dos 30 anos da banda, as formações sempre foram com grandes músicos como Antônio Porto, Alex Mesquita, Anderson Rocha, Daniel Freitas, Christian Holz, Pedro Ortale, Marcelo Oliveira, Rodrigo Teixeira, Luiz Fagundes, dentre outros, em algum momento. A Olho de Gato gravou três CDs com músicas autorais: Olho de Gato (2004), Vivo (2006) e A qualquer hora (2008). Fizemos uma demo e algumas coletâneas: CD's Gerações, Oficina de ideias e Bônus Trak. Também fomos selecionados para fazer parte da revista MP3 Player com o CD A qualquer hora. A tiragem da revista foi de 10 mil exemplares com distribuição nacional e, a Olho de Gato entrou como revelação do rock popular brasileiro made in MS. Tivemos destaque e recebemos muitos comentários elogiosos. A banda participou de todos os festivais realizados no Estado. Fizemos shows em bares, teatros aqui e em São Paulo ao longo do tempo. Cabe lembrar do projeto Encontro de Gerações onde tivemos como convidados o grande Dino Rocha e Beth e Betinha.
Blog do Alex Fraga - Como você vê o espaço para os músicos no Mato Grosso do Sul hoje?
Fernando Bola - Nós temos três categorias de músicos no Estado: Os do sertanejo universitários, os "apadrinhados" da Universidade Federal, Fundação de Cultura e da Prefeitura, e a galera que mata um leão por dia para poder sobreviver com os baixos cachês que oferecem os bares e casas noturnas. Situação que ocorre na Capital e interior do Estado. Viver de música no Mato Grosso do Sul é sacerdócio. Resumindo, viver de música única e exclusivamente no Mato Grosso do Sul é sofrido, é batalhado. É um Deus nos acuda.
Blog do Alex Fraga - Você acredita que o poder público não valoriza a cultura no estado e que se concentra basicamente na Capital?
Fernando Bola - Sim. Claro. É atávico. O poder público que estabelecido e instalado aí, nunca valorizou e fomentou, como deveria, a Cultura feita no interior do Estado. E sempre foi assim.
Blog do Alex Fraga - A teoria é fundamental?
Fernando Bola - Hoje em dia a teoria faz parte, é uma exigência pro músico que quer ter uma performance de alto desempenho e bons trabalhos. É inevitável. É uma coisa que antigamente aqui não tinha nem estruturas e nem condições pra tocar e se dedicar. Ou você tocava ou desistia.
Blog do Alex Fraga - Ainda existe espaço para aquele baterista que passa longe da vida acadêmica, intuitivo e rebelde?
Fernando Bola - Sim, sempre existe, têm os caras que nascem com o talento inato da musicalidade, a genialidade. A gente tem vários exemplos aqui no nosso Estado. Músicos fora da casinha, que não passaram por faculdades ou escolas e são puros feelings como o Wlajones Carvalho, Antônio Porto, Adriano Magoo, Alex Mesquita, esses e mais caras. Não tem como enquadrar e nem ensinar e por na escola. O feeling, o sentimento desses caras é absurdo. Dom. É um dom de gênio. O tempo do sexo, drogas e rock and roll ficou pra trás.
Blog do Alex Fraga - Quais seus projetos individuais ou com banda para esse ano ou futuro e se você está reavaliando os conceitos de continuar com música?
Fernando Bola - A música está em mim desde o berço e vai morrer comigo. Está na minha alma. Eu vivo, respiro música. Estou com 63 anos, parei de tocar profissionalmente em 2015pra cuidar d a minha mãezinha full time. Nesses anos venho reunindo o acervo desses 30 anos para um possível DVD da Olho de Gato e fechar o ciclo. Deixar registrada a história dessa banda que foi seminal na música do MS. Fechar com chave de ouro. Quero chamar os amigos que ao longo do tempo participaram da banda, homenagear os que já não estão entre nós. O tempo é da nova geração. De músicos como Marcos Loyola (que batera legal), Érica Espíndola, Capivaras Voadoras e mais gente da terra como minha sobrinha Pilar Moura. Pra mim ela é uma cantora maravilhosa. Voz linda, super afinada, linda e também compositora. Com certeza amos ouvir falar muito dela. Ela tem um CD gravado com os músicos do primeiro time da música popular brasileira. Só cabeçudo mesmo. Só casca grossa. Acho absurdo que, apesar dela estar com quase um milhão de acessos no Spotify, aqui no Estado ela não não é chamada, não é reconhecido, não é convidado pra participar dos eventos da Fundação..
Blog do Alex Fraga - Qual sua opinião sobre o trabalho que realiza a Fundação de Cultura do Estado e o que poderia ser feito para melhorar?
Fernando Bola - Poderia falar desde a divisão do Estado, de algumas boas administrações, mesmo que algumas bastante engessadas, mas faziam acontecer. Vou me ater as três últimas desastrosas administrações: Tivemos uma alienígena em Cultura, pessoa completamente desconectada com a vida cultural do Mato Grosso do Sul e sua nomeação, pareceu ter sido um prêmio de consolação por ter pedido a eleição. Privilegiaram duplas sertanejas e realizações medíocres. Resumindo: foram quatro anos de atraso. Estava ruim? Estava. Mas sempre pode piorar. Depois assumiram pessoas que a gente, inicialmente, até teve esperança, mas a gestão foi marcada pelo compadrio, falta de transparência, falta de cuidado com artistas, parceiros, produtores... Pela falta de cuidado com o patrimônio público (vide Teatro Aracy Balabanian, o Centro Cultural) e de suspeitas de contratações escusas e nebulosas. Parece ser que contaram com sobrenomes famosos para legitimar apadrinhamentos e privilégios. Soube que até hoje tem artistas no prejuízo. Aí chegamos na última gestão. Do nada e com base em Santa Catarina, uma OCIP passou a gerir as verbas da cultura do Estado. Cooptaram os mesmos de sempre que passaram a participar de todas as atividades da Fundação de Cultura sem se submeterem a editais, acumulando funções nos eventos sem o mínimo pudor. Tivemos exemplos de gente que levou verbas altíssimas no edital FIC, enquanto outros não tinham nem hospedagem nem transporte, nem alimentação dignas nos festivais do Estado. Muita gente boa talentosa e guerreira ficou à margem enquanto outros foram supervalorizados sem apresentar muito resultado pra Cultura do Estado. Não nos representavam realmente. E agora? Infelizmente parece que essa gestão que vai começar agora, siga a mesma linha da anterior. Como melhorar ? Talvez seja hora de fazer unidade. Dos segmentos da arte e cultura serem participantes da gestão, na confecção de editais e demandas, dos critérios, das atividades que acrescentem, tragam aperfeiçoamento. O ideal seria que pudéssemos indicar, os gestores e o Estado levar em conta nossas demandas. Com pouco mais bem distribuído, as verbas podem fazer a diferença. Parece rola um medo de dar as caras de ser limado, de não serem selecionados ou serem perseguidos ou ... Os artistas regionais têm, quando muito, três ou quatro possibilidades ao ano, de contar com editais e festivais para desenvolver ou mostrar seus trabalhos na capital ou outras cidades do Mato Grosso do Sul.
Fernando bola é um acervo MS Cultural