Segunda-feira no Blog do Alex Fraga é dia de poesia com o professor universitário, poeta e escritor de Campo Grande (MS), Isaac Ramos, com "Sem Piedade"
SEM PIEDADE
(Isaac Ramos)
Ó Deus, livrai as mulheres de todos os pecados
Pecados que eu cometo (e não me arrependo) apaixonando-me por tantas delas
Livrai-me das confissões que recebo ao rodeá-las
De versos na mão à procura de outras donzelas
Ainda, para saciar os seus instintos e cuidar das tais rosas cálidas.
Dai-me a poesia, se me faltarem as palavras
Dai-me a pureza, para que eu possa tocá-las
Dai-me a sutileza para que eu as deixe intocadas
E que elas vejam a beleza que é ver surgir os seus nomes
Nos versos diversos que acompanham o que eu componho.
Fazei-me acreditar no desacreditado
Acredito nas mulheres donas de tantos pecados
E nesse mundo quadrado, que eu consigo ver as formas esféricas
E que ultrapasse essa ladainha de que quem ama jamais esquece.
Fazei-me dono de tantas verdades, mas com certeza
A maior das verdades é uma grande incerteza, essa é a verdade!
E se bem me lembro, existem tantas mulheres
Apaixonadas pelos encantos de certos rapazes
E se não me engano, estes, só desamam e não são capazes
De acreditar que algo muito mais forte existe
Que uma só cópula não consegue provocar.
Ó Deus, com o perdão da palavra, o que fazem no mundo
Esses homens esclarecidos e essas mulheres esclerosadas?
O que fazem esses poetas desincubados na propagação do amor
E ultrapassagem da arte, como uma novela veloz que a vela a castidade?
O que me dizes da libertação do amor, das drogas e da praga da bebida alcoólica
Se nada disso contribui para a libertação das palavras que revelam a verdade?
E a evolução do mundo não evoluiu a cabeça dessa gente
Por isso, peço-lhe: não abandone essas mulheres e nem me deixe sem essas poesias
Pois se os homens não sabem o que dizem e as mulheres o que fazem
Só ficam de disque-me-disse, e os poetas – coitados – um tanto voados
A bem da verdade, quero lhe confessar um pecado
Não posso ficar sossegado enquanto não terminar essa poesia
E mandar um recado a todas essas mulheres:
Se eu não puder tocá-las, todas ao mesmo tempo, que a poesia
as acaricie pouco a pouco
E se me faltar coragem para declamá-la, que o Senhor me ajude
E num instante mais lúcido possa perdoá-las
Pelas poesias que eu não criei, pelas mulheres que eu não amei.
(Do livro Astro por rastro, 1988, p.21)
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